Portfolio
Valerio Olgiati: a experiência da arquitectura
Ellinor Geiger, Giotto Celio, Sveva Borelli

Valerio Olgiati é um conhecido arquitecto suíço e professor em prestigiadas universidades. Com uma carreira internacional e uma obra de referência, tem-se distinguido quer na prática da arquitectura, quer no pensamento sobre ela. Neste portfólio seleccionado para a Electra, apresentam-se imagens de alguns dos seus mais representativos projectos. Sobre esta obra, e num diálogo entre gerações, escrevem três alunos da Accademia di Architettura di Mendrisio, na Suíça italiana, onde Olgiati é actualmente professor.

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Villa Além, Alentejo © Fotografia: Paulo Catrica

 

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Museu perlífero, Bahrein © Fotografia: Archive Olgiati

 

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Baloise, Basileia © Fotografia: Mikael Olsson

 

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Atelier Bardill, Scharans © Fotografia: Archive Olgiati

 

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Auditório Plantahof, Landquart © Fotografia: Javier Miguel Verme

 

Ellinor Geiger, estudante do primeiro ano da Accademia di Architettura di Mendrisio

Professor convidado Atelier Olgiati: Nathan Ghiringhelli

Estes primeiros meses na Accademia foram uma verdadeira revelação, embora não representem o meu primeiro contacto efectivo com a arquitectura. Dia após dia, sinto que esta escola — ou, melhor, este atelier — tem vindo a influenciar profundamente a minha vida, tanto a nível profissional como a nível individual. Sinto que a abordagem didáctica utilizada me está a fazer crescer, sobretudo em termos de mentalidade.

No meu primeiro encontro concreto com a arquitectura, num liceu orientado para a área das artes, foi-me ensinado, de modo decididamente pragmático — e, pela minha parte, passivo —, que só existe um modo de fazer arquitectura, baseado na aplicação rigorosa de esquemas e formas ditadas pelas normas construtivas e pelos valores transmitidos pela sociedade. Este atelier está a ensinar-me a fazer o contrário, a derrubar as convenções e os estereótipos, a radicalizar as minhas próprias ideias e a trabalhar activamente para estimular a minha criatividade. Em suma, convenceu-me claramente de que cada um de nós pode mudar o mundo através da sua arquitectura. Não só me fez acreditar na ideia de que posso fazer qualquer coisa memorável, como me encoraja todos os dias a alcançar essa meta, fornecendo-me os instrumentos necessários a uma ética profissional sólida. O que mais me abriu os olhos foi o método utilizado na correcção ou na crítica aos trabalhos. Neste contexto, a experiência mais formativa, a única que produziu em mim uma clara transformação, foi a apresentação do meu trabalho perante todos os docentes e estudantes, seguida de uma crítica de Valerio Olgiati. As minhas expectativas em relação a esta prova caíram por terra ainda antes da apresentação. Para ser completamente sincera, nunca senti qualquer ansiedade por ter de falar em público; pelo contrário, estava até bastante entusiasmada por poder interagir com uma figura tão importante para o debate arquitectónico contemporâneo e por poder apresentar o meu trabalho a um público tão vasto. Mas quando, depois de ter assistido às nove correcções anteriores, chegou finalmente a minha vez, estava tão nervosa quanto assustada. Nunca tinha assistido a críticas tão directas, formuladas de modo tão brusco e com uma franqueza tão evidente, o que tornava tudo mais duro e difícil de digerir. Estava habituada, até então, a correcções radicalmente diferentes, que culminavam muitas vezes, graças à minha inclinação para a arquitectura, numa nota muito positiva. Mas as críticas de Olgiati deixaram-me num estado de pura confusão. Fiquei sem palavras, desiludida e ligeiramente ofendida, pois encarei tudo de modo muito pessoal. Olhando para trás, estou verdadeiramente grata pelo que aconteceu nesse dia, embora tenha demorado muito tempo a digeri-lo. Foi graças às perguntas banais de Olgiati que intuí que algo tinha de mudar. Primeiro, percebi uma coisa fundamental: não existe apenas um modo de fazer arquitectura; e, logo, tudo o que me haviam ensinado no liceu sobre arquitectura estava incompleto, pois o método que utilizavam era claramente desadequado para ensinar esta arte. Graças às suas críticas francas e simples, Olgiati levou-me a pensar sobre questões que nunca tinha feito. Acima de tudo, fez-me perceber quão necessário é, sobretudo para um arquitecto, saber ler um espaço, e quão importante é compreender o modo como se quer viver. Desde então, comecei a aperceber-me da beleza e da importância dos momentos de crítica — momentos em que é privilegiado o diálogo livre e em que se reforçam, ao mesmo tempo, as qualidades da escuta e da observação. Para mim, pelo menos, são momentos marcados por uma atmosfera de total abertura e confiança, onde a relação com o professor já não é passiva e vertical, como no liceu, mas absolutamente colaborativa, como se estivéssemos a trabalhar em equipa. Com efeito, foi graças à Accademia que consegui compreender, enfim, o verdadeiro significado de uma crítica construtiva. E embora o primeiro impacto me tenha magoado, consegui perceber que é só através de confrontos difíceis que crescemos, pois raramente somos bons juízes de nós próprios. Esta experiência levou-me a ver o mundo de outro modo; é como se me tivessem dado um novo par de olhos para analisar o espaço e as coisas que o habitam. A partir desse dia, ganhei o hábito de me questionar, e foi através das primeiras respostas que encontrei que comecei realmente a ver o mundo com outros olhos. Desde então, percebo o espaço de forma diferente e, por isso, relaciono-me com ele de maneiras novas. Até ambientes e lugares que já conhecia com uma certa profundidade pareceram alterar-se. Se, por um lado, esta experiência me abriu os olhos, por outro tenho de admitir que, nos dias que se seguiram ao acontecimento, me senti completamente vazia e desorientada, como se não tivesse nada para oferecer e fosse preciso começar do zero. Com o passar dos dias, compreendi o valor do que tinha acontecido. Tinha-se iniciado em mim um verdadeiro processo de transformação, e o que tinha a fazer era simples: reconstruir tudo, dia após dia. Foi isto que aconteceu e ainda está a acontecer, através da perseverança e do empenho que dedico ao trabalho pessoal, mas sobretudo graças à constante actividade de projecto desenvolvida no atelier, às críticas frequentes em torno do estirador e aos inúmeros contributos dos professores.

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Baloise, Basileia © Fotografia: Mikael Olsson

 

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Museu perlífero, Bahrein © Fotografia: Archive Olgiati

 

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Villa Além, Alentejo © Fotografia: Paulo Catrica

 

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Auditório Plantahof, Landquart © Fotografia: Javier Miguel Verme

 

Atelier Bardill

Atelier Bardill, Scharans © Fotografia: Archive Olgiati

 

Giotto Celio, estudante do primeiro ano na Accademia di Architettura di Mendrisio

Professora convidada Atelier Olgiati: Sofia Paradela

Estudar Direito, estudar Ciência Política. Era isso que fazia antes de me inscrever em Arquitectura na Academia de Mendrisio. Enquanto estudava na Universidade de Berna, a minha vida era, pois, a do estudante clássico. Poucas horas de aulas teóricas, passando do Direito Privado à Sociologia, acompanhadas de várias horas de trabalho autónomo com os livros, em casa ou na biblioteca. Na verdade, é isso que significa estudar: frequentar auditórios cheios de estudantes para aprender, por vezes de cor, as noções de uma ou de outra disciplina; significa reescrever, receber, tornar nossos os conceitos. E tudo isso para, no dia anterior ao exame e, mais tarde, na vida, sabermos reutilizá-los a nosso favor. Significa apaixonar-se pela matéria e querer descobri-la, sim, mas é sobretudo uma questão de conhecimento, de conseguir aplicar as teorias e as definições aprendidas aos casos que se nos deparam.

Não quero com isto menorizar, de modo algum, o estudo de qualquer disciplina, mas antes contextualizá-lo, como uma fase de crescimento do conhecimento próprio, como um processo de aumento do saber — como um estudo, justamente.

Hoje sou, por definição, estudante de Arquitectura em Mendrisio, mas quando as pessoas me perguntam «O que é que fazes na vida?», custa-me responder-lhes que estudo Arquitectura. E isto porque aqui, em Mendrisio, estudar Arquitectura não é estudar. De facto, se pensar nos momentos passados no atelier, eles não têm nada que ver com o modo de ensino convencional. Não aprendemos definições, não apreendemos conceitos, não aplicamos teorias. Criamos, refazemos, pensamos, modelamos.

Aqui, a arquitectura não é nem pode ser estudada. As poucas horas de aulas são substituídas por dias inteiros (e às vezes noitadas) passados no atelier. O trabalho de revisão de conceitos volve-se numa redefinição contínua do próprio projecto, no qual se pensa dia e noite. E é por isso que, depois de uma jornada no atelier, resumir o que foi feito, fechar um livro ou parar de desenhar não são escolhas viáveis. O projecto toma a dianteira, não nos larga mais, invade os nossos pensamentos a todas as horas do dia; e é assim — refazendo-o, repensando-o, recomeçando-o — que crescemos, desenvolvemos um método de trabalho, procuramos tornar-nos algo mais. Neste sentido, a arquitectura, aqui, não se estuda, vive-se.

Quando há uma apresentação a preparar, não é como estudar para um exame. Não há livros para guiar-nos, ou qualquer outra coisa em que possamos basear o nosso trabalho. Aquilo em que temos de trabalhar é o nosso projecto, que é algo que temos de ser nós a desenvolver e que, para podermos enfrentar uma crítica, temos de conhecer, sentir, compreender; algo em que temos de acreditar.

Assim, no dia da apresentação, não basta mostrarmos o nosso trabalho, na esperança de ter feito o suficiente, ou de tê-lo feito bem. Não. Temos de apresentar-nos e descrever o processo que nos levou a tomar as decisões que tomámos, temos de ser capazes de escutar, de pôr-nos em causa, sem saber bem o que está certo e o que está errado. Finalmente, quando a apresentação acaba, o trabalho não está, de modo nenhum, terminado; não se pode pousá-lo e pensar noutra coisa; a crítica é apenas uma etapa, o início de uma fase e nunca o fim de uma estação. O trabalho continua sempre, os confrontos prosseguem, as críticas vão-se somando e o projecto, que é o objecto da nossa formação, nunca pára.

O atelier torna-se, assim, uma segunda casa. Estudar aqui significa viver os espaços, sentir o cheiro da cola e do cartão, conviver, à noite, com as luzes azuladas dos computadores. Significa cultivar com os professores e com o nosso grupo de atelier uma relação de diálogo, confronto e partilha; uma relação que, com o tempo, se torna forçosamente pessoal. Em suma: algo que está muito longe do estudo tradicional.

Todas as disciplinas propostas no âmbito universitário implicam um método diferente de ensino, claro, e compará-las talvez não seja a melhor forma de as compreender. Mas qual é, então, a forma adequada de descrever aquilo que fazemos aqui? Ainda não consigo dizê-lo ao certo. Mas aquilo que é especial no modo como aprendemos a arquitectura é o facto de não nos limitarmos «simplesmente» a aumentar o nosso saber, a ampliar os nossos conhecimentos. Aqui, mergulhamos visceralmente na matéria, vivendo-a de perto, criando todos os dias algo mais. Por isso, há já uma coisa que posso dizer com certeza: em Mendrisio, a arquitectura não se estuda; em Mendrisio, a arquitectura faz-se.

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Villa Além, Alentejo © Fotografia: Paulo Catrica

 

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Museu perlífero, Bahrein © Fotografia: Archive Olgiati

 

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Baloise, Basileia © Fotografia: Mikael Olsson

 

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Auditório Plantahof, Landquart © Fotografia: Javier Miguel Verme

 

Scharans

Atelier Bardill, Scharans © Fotografia: Archive Olgiati

 

Sveva Borelli, estudante do primeiro ano na Accademia di Architettura di Mendrisio

Professor convidado Atelier Olgiati: Sebastian Carella

É fácil pensar na arquitectura como uma procura reduzida à sua essência por efeitos geométricos ou espaciais de interesse. É também fácil conformar-se ao que é o estilo arquitectónico contemporâneo, mas isto leva à simplificação de uma disciplina que implica muito mais do que aquilo que vemos no dia-a-dia. De facto, ao contrário do que se pensa, a arquitectura não é um âmbito como qualquer outro, onde as pessoas se encontram e põem em curso actividades de diferentes tipos.

A arquitectura é uma arte intrusiva. Determina vários aspectos inconscientes da nossa existência. Define o que experienciamos ao viver num certo espaço, as nossas relações sociais e como estas evoluem, além de afectar a nossa percepção em relação ao que nos rodeia. No meu caso, definiria a experiência na faculdade de arquitectura, mais especificamente no Atelier Olgiati, não só como um profundo vórtice de pesquisa formal abrangente, mas também de procura espiritual.

A primeira abordagem, que ainda estou a desenvolver, é a de estabelecer uma relação pessoal com o processo criativo. Neste atelier, as regras e os aspectos técnicos são deixados de parte, para se chegar à essência da criatividade. Penso que, no primeiro ano, não permitir que a técnica nos domine é muito importante. Devemos libertar a mente, deixá-la viajar, criando realidades inovadoras e não estabelecendo limites para justificar eventuais escolhas.

Nas entregas frenéticas dos trabalhos, aprendi que a arquitectura se caracteriza, acima de tudo, pela descoberta contínua e pela evolução perpétua. Desde a primeira proposta que apresentei, houve inúmeras mudanças. Mais, a cada semana dava por mim a pensar em soluções que modificariam grande parte do projecto. Daí dizer que a arquitectura é uma descoberta contínua: trata-se de propor, falhar, voltar a propor e por aí em diante.

Tudo aquilo com o qual entramos em contacto influencia as nossas mentes jovens e inexperientes. Nesse sentido, o atelier tem uma enorme responsabilidade. Como se trata de um percurso que não podemos escolher, torna-se o início de uma viagem que não é controlada por nós e pelas nossas preferências. Assim, tomamos conhecimento de várias contribuições, tendo de diferenciar as fontes. Este primeiro ano é o começo da nossa formação, da descoberta do gosto de todos e de preferências arquitecturais.

Trata-se de um mundo pleno de incógnitas. Todas as respostas que tento dar aos milhares de «porquês» do professor levam-me cada vez mais à conclusão de que as escolhas que faço são o resultado da minha individualidade. Inevitavelmente, tudo leva a razões mais profundas que disfarçam a nossa personalidade. O projecto fala de nós e é a maneira de nos apresentarmos perante o mundo. Tudo a partir daí se torna uma espécie de extensão de si mesmo.

Estou a criar uma relação com a arquitectura e aqui está o mérito deste curso: fazer crescer uma certa amizade ou familiaridade, simultaneamente muito individual e primitiva, com o material.

Quando se entra neste mundo, compreende-se que já não se trata de encontrar soluções eficientes para necessidades humanas. É antes uma comunicação indirecta, mas real, que tem lugar entre a arquitecta, a própria arquitectura e a realidade que a rodeia. É mais do que mera forma.

Landquart

Auditório Plantahof, Landquart © Fotografia: Javier Miguel Verme

 

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Villa Além, Alentejo © Fotografia: Paulo Catrica

 

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Museu perlífero, Bahrein © Fotografia: Archive Olgiati

 

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Atelier Bardill, Scharans © Fotografia: Archive Olgiati

 

Baloise

Baloise, Basileia © Fotografia: Mikael Olsson