Uma questão fundamental colocada pela celebridade é a de saber quais as condições sociais, económicas e culturais que permitem que certos indivíduos se tornem famosos só por serem quem são, na ausência de normas objectivas de sucesso. A resposta é que não há um critério único, mas um conjunto de critérios possíveis. O conceito de fama é multidimensional.
Investigador na Universidade de Tecnologia de Auckland, a trabalhar actualmente sobre os mecanismos que tornam alguém «icónico», Barry King parte, neste texto, do conceito de fama e das condições que a produzem, para traçar a seguir o percurso histórico do trinómio celebridade-fama-prestígio, com paragens obrigatórias no renome, na reputação e no carisma. E assim ganha forma uma constelação de conceitos que adquiriram uma importância enorme na sociedade da comunicação de massas.
o mapa da fama
O lugar da celebridade pode ser encontrado numa distribuição particular de fama e prestígio:
Este mapa distingue a reputação, como reconhecimento de distinção por um grupo social específico, do renome, como reputação de um indivíduo reconhecida por um grupo de leigos (o grande público, por exemplo). A reputação e o renome podem ser positivos ou negativos — pense-se na fama ou na infâmia. Os indivíduos famosos ou infames podem ter um nível de prestígio alto ou baixo e a sua reputação pode ser de curta duração ou perdurar por várias gerações. Dentro deste esquema, a celebridade é uma forma de renome efémera e de baixo estatuto, baseada na aprovação (ou desaprovação) de agrupamentos de leigos (públicos alargados ou de massas).
Historicamente, a fama de um indivíduo era associada a um campo específico de actividade — desporto, literatura, arte, política, filosofia, ciência, exército. No contexto contemporâneo, a fama assenta numa imagem mediática amplamente difundida, que populariza e humaniza os feitos esotéricos do indivíduo (em geral, homem) através do recurso a metáforas relativas à personalidade. Estes rótulos são consolidados pelos media sob a forma de uma persona — uma amálgama de atributos pessoais e profissionais.
No metabolismo da fama, deve fazer-se a distinção entre diferenças significativas e marginais. O renome e a persona pública de Einstein assentavam no reconhecimento de que o seu sucesso superava em muito o dos seus colegas. Ele foi uma estrela antes de ter ficado célebre. Em contrapartida, a diferença entre uma celebridade e outra é marginal e reside sobretudo no engrandecimento das suas idiossincrasias para fins publicitários, mais do que em verdadeiros feitos.
"A celebridade é uma forma de renome efémera e de baixo estatuto, baseada na aprovação (ou desaprovação) de agrupamentos de leigos (públicos alargados ou de massas)."
Como personalidades mediáticas ou embaixadoras de marcas, todas as celebridades, independentemente da sua área, são comparadas com outras de perfil mediático similar. As celebridades dividem-se em grupos de mais conhecidas ou de menos, até às quase desconhecidas. Esta categorização reúne os indivíduos, não segundo as suas proezas — que podem ser irrisórias —, mas segundo a sua capacidade para atrair atenção mediática. Considera-se geralmente que o fenómeno da celebridade advém de uma mudança no metabolismo social da fama verificada a partir da segunda metade do século xviii, com o desenvolvimento das biografias literárias. Antes, a fama associada aos indivíduos era relativa: os indivíduos famosos deviam a sua reputação, merecida ou não, às suas ligações à Igreja, corte e culturas de elite. Ainda que desfrutada pelo indivíduo, a fama era função da identidade de grupo. O desenvolvimento dos meios de comunicação de massas — iniciado com a invenção da imprensa e progressivamente alargado à fotografia, cinema, rádio e televisão — levou a que a fama absoluta pudesse recair sobre os indivíduos enquanto tal, que passaram a ser celebridades e não representantes de normas e valores de um grupo social particular. Autores como Lord Byron e intérpretes como Franz Liszt ou Sarah Bernhardt desempenharam um papel essencial neste processo de celebrização. O processo não é inteiramente novo; no mundo da Antiguidade Clássica alguns membros das elites distinguiam-se de forma singular. Alexandre, o Grande, pode ser considerado o precursor, ou até o protótipo, da celebridade contemporânea (Braudy, 1997). O que é inédito nos tempos modernos é a escala e intensidade desta tendência para a fama absoluta.
Para alguns observadores, a natureza explicitamente capitalista deste desenvolvimento foi decisiva — como defendeu a Escola de Frankfurt na sua análise das indústrias da cultura em Dialética do Esclarecimento, e mais tarde Edgar Morin, em As Estrelas:
A estrela é uma mercadoria total: não há um centímetro de seu corpo, uma fibra de sua alma ou uma recordação de sua vida que não possa ser lançada no mercado.
[...]
*Tradução de Ana Macedo
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