Assunto
Da economia da atenção à economia da curiosidade
Yves Citton

Yves Citton, autor de referência nas questões da ecologia e da economia da atenção, segue neste artigo um caminho que não é o do consabido lamento pela escassez da atenção face à superabundância de informação. Deslocando-se em direcção à curiosidade e submetendo-a a uma reavaliação política, Citton elabora um discurso teórico alternativo que já não está fixado nos problemas da crise e da escassez da atenção.

Duas concepções de atenção

Nos últimos trinta anos, as discussões sobre a «economia da atenção» deslocaram-se das margens das publicações académicas e dos projectos artísticos para a normalidade dos documentários da Netflix e o pânico moral. O que no início dos anos 90 do século passado parecia uma ideia estranha nas primeiras formulações de Georg Franck (a atenção circula entre nós como uma moeda, sendo os meios de comunicação de massa os seus bancos), ou uma profecia louca, nas afirmações mais polémicas de Michael Goldhaber (a atenção pode vir a substituir o dinheiro como a moeda principal)1, surge agora como bastante óbvia e até banal. Esta mudança é sem dúvida bem-vinda: adquirir uma consciência colectiva mais profunda dos mecanismos e dinâmicas sobre os quais assentam os nossos sistemas de comunicação (e as nossas percepções do mundo) é um primeiro passo essencial, se queremos escapar da armadilha fatal planetária a que nos conduz o capitalismo mediárquico.

Estas discussões cada vez mais frequentes deram origem ao que Kenneth Rogers chama «complexo da atenção», que deve ser entendido não só como um emaranhado de questões diversas e disciplinas diferentes, mas também como um conjunto de interesses e propósitos interligados (comparável com o «complexo militar-industrial»). Como ele ressalta, e bem, este complexo tem vindo a sofrer uma grande transformação nos últimos anos — evoluindo de uma hipótese original de escassez para um desafio de cognição sintética2. Desde o famoso artigo de Herbert Simon, publicado em 19713, quase todos têm teorizado o «problema da atenção» como uma questão de escassez: demasiadas coisas para ver (assistir, aprender, conhecer), mas pouca atenção (tempo) — tradicionalmente, a economia foi definida como uma gestão optimizada de recursos escassos.

Dentro deste paradigma, o tom dominante das discussões tem sido marcado pela ansiedade, assumindo até um cariz apocalíptico: a «crise da atenção» — um texto fundamental de Jonathan Crary já nos tinha prevenido em 1999 que ela se teria tornado uma característica permanente do capitalismo há mais de um século — foi abordada em termos de défice e deficiência, seja patológica e clínica (perturbações de hiperactividade e défice de atenção, stress crónico), seja social e moral (distracção, dispersão, Fear of Missing Out, isto é, medo de ficar de parte)4.

"O tom dominante das discussões tem sido marcado pela ansiedade, assumindo até um cariz apocalíptico: a crise da atenção foi abordada em termos de défice e deficiência, seja patológica e clínica, seja social e moral."

leonardo da vinci

Leonardo da Vinci, Annunciazione [Anunciação], 1472 (detalhe) © Fotografia: Scala, Florença / Cortesia do Ministero dei Beni e della Attività Culturali e del Turismo / Galleria degli Uffizi, Florença

 

No entanto, na última década, outro aspecto (o qual esteve presente de forma mais discreta em discussões anteriores) parece ter passado para primeiro plano: e se em vez de lamentarmos o «excesso de informação» tentássemos estudar, compreender, praticar e melhorar a nossa capacidade para desenvolver um diferente tipo de atenção, que se adaptaria a uma superabundância de informação entendida como uma mais-valia e uma fonte de satisfação, sem soçobrar sob o seu peso? Vinda do meio literário, no início dos anos 2000, N. Katherine Hayles defendeu as virtudes do que ela designou de «hiperatenção» — a capacidade de passar superficialmente os olhos sobre uma multiplicidade de informações heterogéneas com uma visão de 360° —, uma alternativa perfeitamente válida à nossa visão dominante de «atenção profunda», focada numa só coisa. Ao mesmo tempo, Franco Moretti desenvolvia uma «leitura distante» computorizada de obras muito extensas e Pierre Bayard, professor de literatura na Universidade de Paris 8, ensinava-nos, em tom de provocação, a «falar de livros que não lemos», já que uma parte legítima do conhecimento literário surge da capacidade de situar uma obra dentro de um leque de publicações que não temos tempo para ler, mas sobre as quais temos de saber (algo)5.

Em causa está uma concepção da atenção baseada na cognição sintética e não no foco analítico. Embora estes dois aspectos estejam geralmente presentes nos nossos gestos mentais diários, colocar ênfase num e não no outro acarreta consequências significativas. Defendo que o mundo académico desconsidera as causas e as virtudes daquilo que desqualifica como «conspiracionismo», ao não o conseguir ler como o resultado de uma necessidade essencial (e porventura saudável) de posicionar «factos» pontuais dentro de uma conjuntura social mais lata. «Conspiracionistas» e «anticonspiracionistas» baseiam a sua concepção de verdade na importância que dão a diferentes modos de atenção: os primeiros consideram sinteticamente como verdade o que se encaixa numa conjuntura de dominação social (não interessa se uma ou duas afirmações falham o teste da verificação dos factos!), enquanto os segundos consideram analiticamente como verdade o que se refere pontualmente a um facto real que pode ser verificado através de procedimentos comprovados (o sentido geral destes factos é deixado à interpretação de «ideólogos»)6.

A hegemonia do pensamento (neo)liberal nos últimos cinquenta anos habituou-nos a decompor situações (políticas) em procedimentos (legais), de forma a reorganizar as nossas relações (produtivas), assim maximizando o crescimento (económico), calculado de acordo com os interesses do capital (financeiro). Seja em termos de justiça, desigualdade ou ecocídio, isto deu origem a várias formas de ressentimento, tanto à esquerda como à direita do espectro político. Estas duas formas de ressentimento são fundadas na necessidade não concretizada de atribuir responsabilidades pela situação global em que nos encontramos. O seu apelo a uma visão abrangente da nossa situação é desqualificado como «conspiracionista», de acordo com um complexo da atenção (neoliberalmente) enviesado a favor de uma definição analítica da verdade, às custas de uma abordagem mais sintética.

Na medida em que se articula fortemente com uma certa concepção da economia enquanto gestão optimizadora de recursos escassos, esta mesma hegemonia também nos habituou a olhar para qualquer problema em termos de falta (carência, escassez, défice, deficiência), que precisa de ser identificada analiticamente, para depois ser remediada através de uma solução pontual apropriada (produtivista). Pressionando-nos a olhar para um problema de cada vez, o complexo da atenção impede-nos de ver que a maior parte de nós — pelo menos entre as classes médias do mundo ocidental — vive numa superabundância de recursos, bens e serviços. As contra-ideologias promotoras da «sobriedade» e do «decrescimento» vão ganhando terreno lentamente, mas requerem uma reconfiguração fundamental das nossas infra-estruturas mentais, superando a inércia do complexo da atenção, hegemónico nos nossos dias.

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1. Georg Franck, «Ökonomie der Aufmerksamkeit», Merkur 534/535 (Setembro/Outubro de 1993), pp. 748–761, e Michael Goldhaber, «Principles of a New Economy», 1996.
2. Kenneth Rogers, The Attention Complex. Media, Archeology, Method, Londres: Palgrave McMillan, 2014; bem como «Quick Bites», primeiro capítulo de Enrico Campo e Yves Citton (eds.), The Politics of Curiosity. Alternatives to the Attention Economy, Londres: Routledge, 2024.
3. Herbert Simon, «Designing Organizations for an Information--Rich World», em Martin Greenberger, Computers, Communication, and the Public Interest, Baltimore: Johns Hopkins Press, 1971.
4. Ver Jonathan Crary, Suspensions of Perception, Cambridge: MIT Press, 1999, bem como Enrico Campo, Attention and its Crisis in Digital Society, Londres: Routledge, 2021.
5. Nancy Katherine Hayles, How We Think. Digital Media and Contemporary Technogenesis, Chicago: University of Chicago Press, 2012; Franco Moretti, Distant Reading, Londres: Verso, 2013; Pierre Bayard, How to Talk About Books You Haven’t Read, Nova Iorque: Bloomsbury, 2009.
6. Ver o meu artigo «Conspiracies In and Against Mediarchies: Literary Guide to a Metarealist Gameplay», a publicar no Cambridge Journal of Law, Politics and Arts em 2024, bem como o dossier «Conspirations hors complots», na revista Multitudes, n.º 91 (Verão de 2023).