Com consciência ou sem ela, a nossa atenção é constantemente aliciada, atraída, cativada, captada, confiscada, comprada, subornada, frustrada, defraudada, pervertida, presa, conquistada por acontecimentos, pessoas, fenómenos, aparições, desaparecimentos, movimentos, paragens. Quando escolhemos dar atenção, estamos a preterir e a excluir aquilo a que não damos atenção. É por isso que agora se fala de uma economia da atenção e de uma ecologia da atenção. É assim que se diz que, nos nossos dias, a atenção é um dos bens mais raros e uma das mercadorias mais valiosas.
Num mundo-mercado cheio de sujeitos e de objectos, de destinadores e de destinatários, de produtores e de consumidores, que se move e acelera em voragem competitiva e onde tudo se compra e se vende, regido pelas regras da oferta e da procura, e em que, graças às comunicações, o distante se tornou próximo, a nossa atenção está submetida a um leilão permanente.
Da economia à política, da cultura à sociedade, da vida individual à vida colectiva, do espaço privado ao espaço público, existem por todo o lado dispositivos — móveis e imóveis, materiais e imateriais, patentes e ocultos — para capturar a nossa atenção. Da publicidade à propaganda, dos anúncios tradicionais aos anúncios digitais, das redes sociais aos seus influencers, dos canais de comunicação aos meios de informação, somos permanentemente assediados, numa busca incessante pelo que a nossa atenção pode valer, representar e acrescentar. Por todo o lado, há quem queira fazer da nossa atenção um trunfo a seu favor, dando-nos a ilusão de que é um trunfo a nosso favor.
A atenção é, pois, uma questão fundamental do nosso tempo e é um tópico crucial para o compreendermos. Podemos até falar de uma fenomenologia da atenção. O conceito e a prática actuais da faculdade da atenção, nas suas transformações psicológicas e cognitivas, nas suas mudanças culturais e sociais, nas suas metamorfoses económicas e mercantis, dão-nos um retrato muito expressivo e sintomático do mundo em que vivemos.
Assim, por exemplo, nunca se falou tanto de défice de atenção, com os seus efeitos na educação e na cultura. E o afastamento de muita gente da política, sobretudo o alheamento dos mais jovens, é, afinal, uma falta de atenção para com a política, no duplo sentido da expressão. Outro exemplo: todos os que criam e divulgam cultura e arte sabem que, com o culto do efémero, e num cenário global com uma infinidade de acontecimentos culturais e artísticos, aquilo que mais precisam de conquistar é a atenção das pessoas para o que fazem. A questão da atenção é hoje, principalmente, uma questão de recepção-consumo.
Além dessa analítica do presente, a história da atenção nas suas representações e ressonâncias teológicas, filosóficas, literárias, artísticas e científicas compõe um álbum de uma enorme complexidade e riqueza.
Há quem diga que, embora sem saber o seu nome, a economia da atenção começou na Antiguidade Clássica, quando um orador treinava a sua voz e aperfeiçoava a sua retórica para merecer a atenção dos ouvintes. E assim foi continuando a ser, desde a atenção dos grandes mecenas que os pintores do Renascimento tudo faziam para captar até à atenção dos inquisidores que os suspeitos de heresias tudo faziam para iludir…
Mas foi entre 1870 e 1920 que a importância da atenção se tornou mais notória e visível, prenunciando e preparando o seu surto contemporâneo. O sociólogo Gabriel de Tarde (1843–1904) compreendeu muito bem nessa altura que a industrialização provocava uma superprodução de mercadorias, em que as questões da atenção (que a publicidade começava a disputar) jogam um papel central, motivador e mobilizador, na economia e na sociedade. Desde então, essa importância não parou de aumentar exponencialmente, atingindo, no nosso tempo, um cume, mas também novas feições com consequências inéditas.
Ao dedicar o dossier desta edição ao tema da atenção, a Electra propõe uma indagação e uma reflexão que são inseparáveis do debate a fazer sobre o que hoje somos e o que queremos ser amanhã.
Da leitura dos vários ensaios deste dossier, fica-se com uma ideia muito actualizada da grande árvore da atenção: das suas raízes ao seu tronco, ramos, folhas, flores e frutos. Ficamos mais conscientes do que está em causa. Ficamos a saber que, desde há algumas décadas, uma nova economia está a ultrapassar as antigas e tradicionais formas de troca de bens materiais e simbólicos.
Nesta economia, a atenção constitui a coisa mais rara e a mais preciosa fonte de valor. No nosso «Assunto», reflecte-se sobre o que caracteriza esta nova economia, quais são os seus instrumentos activos e os seus mecanismos de funcionamento, quais são os seus perigos e as suas potencialidades.
Da sociologia à economia, das neurociências às novas tecnologias, com destaque para as tecnologias digitais, da filosofia ética à teoria das imagens, da arquitectura às artes performativas, este dossier faz apelo aos conhecimentos de várias disciplinas para esclarecer os desafios da nova economia da atenção, com recurso a diversas perspectivas críticas.
Esta análise põe em evidência que é hoje imperioso pensar a nossa vida económica, social e cultural em termos de atenção. E mostra também que seria desastroso deixar que fossem as lógicas produtivistas, consumistas, excedentárias e hipertélicas (tantas vezes anti-ecológicas) do capitalismo financeiro e cognitivo actual a reconfigurar hegemonicamente os nossos regimes individuais e colectivos de atenção, com as suas transformações, exigências, riscos, subordinações e possibilidades. É que a economia da atenção não está apenas no cruzamento de várias disciplinas e domínios do saber e do agir contemporâneos. Ela situa-se no ponto onde se encontram os caminhos que nos levam às escolhas sobre o nosso imprevisível futuro.
Nestes dias de trágicas guerras e de terríveis massacres, há também outras guerras — as que disputam desenfreadamente a nossa atenção. Representantes e partidários de um e de outro lado de cada guerra usam todos os meios para nos fazer ver com atenção as suas imagens e para nos fazer ouvir com atenção os seus argumentos de acusação e de defesa. E também as suas verdades e as suas mentiras. Este é um tempo em que, mais do que antes, as escolhas da nossa atenção são escolhas morais, políticas e culturais.
A literatura é uma arte de atenção. Nesta edição da Electra, publicamos, na secção «Figura», um retrato do grande poeta grego Konstandinos Kavafis e comentamos, na secção «Passagens», uma citação do consagrado romancista e ensaísta checo, depois naturalizado francês, Milan Kundera.
Tão distantes nos tempos e nos lugares em que viveram e morreram, tão diferentes nas obras que escreveram, tão longínquos nas suas experiências vitais, tão diversos nas suas concepções culturais, tão distintos nas suas sensibilidades e interesses, há porém um laço que os une: a atenção dada à ligação do passado e do presente, a presença da História nas suas existências individuais e nos livros que escreveram. Para eles, o passado e a História são como um ruído cósmico de fundo. Configuram o mundo de cada presente e condicionam a liberdade individual e as possibilidades de viver, pensar, agir, sofrer, criar, decidir, amar livremente. Esse sentimento de um passado que está presente é vivido por Kavafis com um fervor melancólico e por Kundera com um ardor indignado.
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