Um dia, estava em reportagem na China e perdi-me. Não sei se já procuraram o caminho certo no meio do campo chinês sem compreender ou conseguir dizer uma palavra que seja, nem sequer entender o significado de uma placa rodoviária. Queria reencontrar a estrada para Ningbo, essa enorme cidade portuária com quase dez milhões de habitantes nas margens do Mar da China Oriental. Lá, em fábricas gigantescas, milhares de jovens vindos dos campos circundantes trabalham debruçados sobre máquinas de costura para unir, num ruído ensurdecedor, as peças que compõem as roupas que farão a moda ocidental.
Chegou numa carrinha que baloiçava um pouco. Um chinês com cerca de cinquenta anos, vestido com um fato-macaco. Devia ter terminado o seu dia de trabalho numa fábrica dos arredores. Claro está, éramos de todo incapazes de nos compreender um ao outro, mas por fim, depois de lhe ter mostrado o meu mapa das estradas e de ter feito sinais indicativos da minha desolação, ele fez-me, em resposta, gestos que me explicavam que me iria guiar até à estrada que levava ao mar. Antes de subir para a sua carripana, tirou qualquer coisa do bolso e fixou-a na minha gola com um sorriso. Era um pin com a figura de Karl Lagerfeld. Uma pequena silhueta em metal espantosamente reconhecível: o alto colarinho branco debaixo do casaco preto, as calças de ganga slim e o rabo-de-cavalo.
Durante mais de vinte anos, Lagerfeld teve um aspecto dissimulado. Aliás, era-o, literalmente. O seu vestuário fora concebido como um camuflado, mas também como uma imagem que qualquer um poderia desenhar. Era esse o princípio. Não se parecer com ninguém, ter um ar de extraterrestre, ser eventualmente um pouco ridículo, mas reconhecível de um lado ao outro do mundo. No coração de Paris ou nos confins da China.
Uma vez, disse, com o seu gosto pelos paradoxos, «tenho os pés bem assentes na terra, mas não nesta terra». Que belo resumo da sua personalidade! Não é certo que os seus admiradores — e além disso também aqueles que não gostavam dele — tenham compreendido verdadeiramente o que queria dizer.
Pés assentes na terra, Karl Lagerfeld sempre os teve para gerir a sua carreira. Filho de um industrial, possuía inegavelmente o sentido do comércio e do marketing. Não estou certa de que as suas criações passem para a posteridade: não inventou nem a mini-saia, nem o vestido-trapézio, nem o smoking para mulher, como Mary Quant, Courrèges ou Saint Laurent. O seu maior sucesso é ter feito a fortuna dos irmãos Wertheimer desenhando colecções «à maneira de»… Gabrielle Chanel, a verdadeira criadora do fato de tweed gansé. Mas sempre soube o que agradaria às mulheres, aos jovens, aos ricos, mesmo (e sobretudo) quando o gosto pela moda e pelo luxo se globalizou.
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