Assunto
O gosto

O tema central deste número da Electra é O gosto. Para início da discussão talvez pudéssemos dizer que é difícil reconhecer na máxima latina De gustibus non est disputandum — os gostos não se discutem — um valor de verdade universal, a partir do momento (e esse momento é o século XVIII) em que o mundo do gosto substitui o mundo do belo que tinha imperado desde a Antiguidade.

A categoria do gosto torna-se então o fundamento de uma razão estética que as vanguardas artísticas do século XX vieram perturbar profundamente. Sabemos bem como o gosto se tornou uma questão quase omissa nas discussões sobre a arte contemporânea e que a simples evocação de um sensus communis que a situa por vezes nos territórios do mau gosto ganhou o aspecto de juízo anacrónico sem valor crítico. Mas para descrever o funcionamento do mundo social, a categoria do gosto tornou-se indispensável e não é por acaso que, nesta matéria, as elaborações sociológicas de Pierre Bourdieu continuam a ser uma importante referência. A cultura de massa, tendo estendido a sua dominação a todos os aspectos da vida quotidiana, confronta-nos com os mecanismos coercivos e espectaculares de fabricação do gosto à escala universal. Esta homogeneização atravessa fronteiras e aproxima as diferentes «classes» que, no essencial, quanto aos gostos culturais, deixaram de se diferenciar. Importante e impossível de ignorar é o papel que os meios de comunicação desempenham neste processo de homogeneização do gosto e no triunfo do Kitsch — esse fenómeno moderno que colonizou grandes extensões da vida social e cultural. O Kitsch impõe-se sobretudo através da produção e circulação das imagens, ou seja, através de uma estetização de efeito anestesiante. Para trás, tão atrás que só a encontramos quando fazemos uma genealogia do gosto, ficou aquela figura reclamada pela «civilização francesa» a que se chamou homme de goût.