Assunto
O estado da democracia

Habituámo-nos, há pelo menos duas décadas, a escutar um coro de vozes pessimistas, às quais se atribui um valor de verdade cada vez mais convincente, que nos fala da «crise da democracia», do «mal-estar da/na democracia», do pouco saudável «estado da democracia» e até da necessidade de a modalizarmos com um «pós» para sugerir que se tornou necessário actualizá-la conceptualmente.

É desta situação propícia a grandes diagnósticos que nasce o tema central deste número da Electra: «O estado da democracia». Com ele, pretendemos questionar as várias derivas actuais da democracia, os desafios e riscos com que ela está confrontada, neste tempo de regresso de extremismos, nacionalismos e populismos (de tal modo que se tornou tentador, para muitos, traçar analogias com os anos 30 do século passado). Da anti-política à despolitização, operada por uma equivalência da democracia aos mercados, passando pela redução do ideal democrático às eleições livres, mas que se esvaziaram enquanto mecanismo de alternância, e continuando pela degradação da forma-partido, que foi a instituição fundamental das democracias modernas, não faltam sintomas bem expressivos do estado da democracia. A democracia, ao mesmo tempo que se tornou um regime incontestável, uma religião civil mundial (somos todos democratas), tornou-se também um «significante vazio». Já houve quem dissesse que é um «significante flutuante» e quem apontasse a «insignificância» a que foi reduzida. Todas estas contradições e paradoxos da democracia acentuam-se fortemente quando somos obrigados a perguntar o que é feito de democracia sob a condição do domínio mediático. O nome «democracia» como o único capaz de designar uma organização aceitável, civilizada, da vida política corresponde a uma ideia que a «democracia real» nunca está à altura de cumprir: a crise da democracia é também este estado permanente de um regime que nunca está plenamente à altura do seu conceito.

As imagens que se apresentam neste dossier são os famosos criptogramas criados, em diálogo, pelo filósofo austríaco Otto Neurath e pelo designer alemão Gerd Arntz. Estes dois pioneiros do grafismo moderno são os fundadores, na primeira metade do século XX, da ISOTYPE, uma linguagem não verbal com propósitos políticos de comunicação visual directa, dinâmica, flexível, livre e universal. Ao olharmos estes pictogramas, que podem ter um uso individual ou colectivo, vemos que a história da democracia é inseparável da história de uma iconografia com um grande significado político.