A ciência informática define o algoritmo como um conjunto de instruções passo a passo para transformar um input num output independentemente dos dados e com o menor número possível de etapas. No entanto, como notou o matemático francês Jean-Luc Chabert, estes processos existem desde os tempos mais remotos e representam um modo de pensar e resolver problemas que não é exclusivo das ciências informáticas, mas que parte das técnicas culturais de todas as civilizações humanas:
Da autoria de um professor de Filosofia dos Media, na Universidade de Karlsruhe, Alemanha, e coordenador de um grupo de investigação da Inteligência Artificial, este texto traça uma história do processo algorítmico, mostrando que ele é muito anterior à era informática. Fala-se aqui de códigos binários, algoritmos informáticos, cálculo digital e outros nomes e conceitos que se tornaram familiares para toda a gente, mas só uns poucos sabem o que designam e o que significam.
Os algoritmos já existiam muito antes do aparecimento de um termo específico para designá-los, profundamente radicados no desejo de transmitir modos eficazes de obter certos resultados partindo de certos ingredientes e dando-lhes forma segundo directrizes simples aplicadas sistematicamente, passo a passo. Estas podiam ser processos legais ou matemáticos, como os dos babilónios, processos mnemónicos, como os dos gregos, regras linguísticas, como as dos gramáticos romanos, e, em todas as civilizações, receitas divinatórias, médicas ou culinárias… Ainda hoje, todos usam algoritmos sem sabê-lo, quer sejam entusiastas da costura, praticantes de verlan ou simples utilizadores de electrodomésticos.
Por outras palavras, antes de a sua forma lógica ser codificada e mecanizada com a revolução informática, os algoritmos — ou, mais precisamente, as práticas algorítmicas e o modo de pensar algorítmico — já existiam. Mas que terá acontecido para que os algoritmos fossem automatizados e transformados em abstracções das quais já nada compreendemos?
Este brevíssimo excursus propõe uma história conjunta do algoritmo e do número, mostrando que estas duas noções sempre estiveram implicitamente ligadas e que as práticas algorítmicas são provavelmente mais antigas que a própria matemática. Mais especificamente, a evolução da ideia de algoritmo é reconstruída na sua relação com os sistemas de numeração utilizados desde a Idade Média até ao presente, partindo de uma coincidência linguística que revela processos históricos mais profundos. Tal como o termo medieval algorismus marcou a passagem do sistema de numeração aditivo (romano) ao posicional (indo-arábico), o termo contemporâneo algoritmo marcou a passagem do sistema decimal ao binário. Isto deve-se não apenas a razões culturais e tecnológicas, mas fundamentalmente a razões económicas, que marcaram a transição, no primeiro caso, da sociedade medieval ao capitalismo mercantil, e no segundo caso do capitalismo industrial à sociedade da informação.
OS ALGARISMOS E O CÁLCULO MANUAL
Em latim medieval, o termo algorismus referia-se ao processo manual de cálculo com os números posicionais indo-arábicos, oriundos do Médio Oriente, que suplantaram gradualmente os números aditivos romanos. Os primeiros definem a quantidade por potências progressivas de 10, enquanto os segundos se limitam a adicionar números uns ao lado dos outros (por exemplo, o número indo-arábico «233» equivale ao romano «CCXXXIII»). Os números romanos, como é sabido, são práticos para datas e listas, mas tornam-se um verdadeiro quebra- -cabeças quando se trata de realizar operações matemáticas simples, particularmente a divisão. Na Idade Média, estas operações eram realizadas com o ábaco, ao passo que os números indo-arábicos permitiam resolver operações em papel com um estilete, dando origem a novos algarismos. O matemático e mercador italiano Leonardo Fibonacci contribuiu para a introdução do sistema indo- -arábico na Europa com o seu Liber Abaci, de 1202, que não usa, porém, o termo algarismo, chamando a esta técnica modus indorum. O termo algorismus surge no poema de 1249 «Carmen de Algorismo», de Alexandre de Villedieu, um manual composto por versos em rima para memorizar as novas técnicas de cálculo. Um livro impresso em Veneza em 1501 e atribuído ao monge do século XIII Johannes de Sacrobosco tem o ambicioso título Algorismus Domini e explica o novo cálculo com números posicionais por meio de diagramas.
"A evolução da ideia de algoritmo é reconstruída na sua relação com os sistemas de numeração utilizados desde a Idade Média até ao presente."
É recente a descoberta de que o termo medieval algorismus é uma latinização do nome do estudioso persa Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, bibliotecário da Casa da Sabedoria de Bagdad e autor de um livro sobre cálculo com números hindus escrito por volta de 825. O manuscrito original de al-Khwarizmi, em árabe, perdeu-se, mas desde o século XII que estiveram em circulação pelo menos quatro traduções latinas com títulos diferentes: um manuscrito preservado pela Universidade de Cambridge tem o incipit «DIXIT algorizmi» («assim falou al-Khwarizmi»), que o matemático italiano Baldassarre Boncompagni traduziu como Algoritmi de numero Indorum, em 1857.
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