Figura
Calvino e o pathos da distância
Alfonso Berardinelli

O mais importante crítico literário italiano, Alfonso Berardinelli, que deu uma importante entrevista para a Electra 20, escreve nesta edição sobre Italo Calvino, o grande escritor, que, informado pelo estruturalismo, levou a narrativa, o conto e as formas breves, a um grau supremo de construção literária.

italo calvino
italo calvino

Italo Calvino, 1960 © Fotografia: Scala, Florença / Luce Cinecittà, Roma

1.

É difícil imaginar um destino literário mais bem-sucedido e feliz do que o de Italo Calvino. É, sem dúvida, o autor mais amado e apreciado pelos italianos de todas as idades. Lido nas escolas, estudado nas universidades, analisado e admirado sem reservas pelos críticos, Calvino acompanha-nos desde a infância até a senilidade. Contudo, nele sempre coexistiram tanto o puer quanto o senex, tanto o jogo quanto a distância do mundo. Calvino acabou por assumir, entre as classes médias de hoje, o papel de pedagogo e moralista típico dos escritores infanto-juvenis.

Começando por ser um jovem activista, um narrador de fábulas de alguns episódios da resistência ao nazifascismo, capaz de escrever contos de uma elegância e ritmo surpreendentes, Calvino acabou por tornar-se o mais sofisticado narrador introspectivo que tivemos em Itália.

Os anos de maturidade foram particularmente incertos e perplexos. A sua inteligência, já labiríntica e saturnina, entediada com a realidade social e política de Itália, impulsiona-o a uma fuga resoluta. A escapatória foi Paris, centro do sistema literário europeu, de onde, nos anos 60, chegavam incessantemente novidades teóricas sobre a linguagem em geral e a linguagem literária em particular. Embora naquela época Paris não parecesse assim tão interessada na arte de contar histórias, «a análise estrutural do conto» era metódica e obsessivamente praticada. Fugindo de uma Itália convencida de estar no limiar de uma «transição política» radical (que acabaria por originar apenas o «estalinismo anárquico» dos grupos terroristas), Calvino intensifica a sua paixão pela distância e pelo «olhar exterior». De facto, a sua narrativa tornou-se expressão de um instinto misantrópico cartesiano que o atraía irresistivelmente para o estruturalismo. O seu problema ou desafio foi o de contar teorizando, ou teorizar em forma de conto.

“Calvino foi, desde o início, um narrador que desconfiava do romance. Os problemas sociais e morais, bem como o estudo da vida quotidiana concebida como micro-história, sempre estiveram fora do seu horizonte.”

Todavia, a observação da natureza (o pai era botânico) e o amor pela fábula como veículo de sabedoria sempre foram duas formas de manter à distância as ideologias e a realidade social. Calvino foi, desde o início, um narrador que desconfiava do romance. Os problemas sociais e morais, bem como o estudo da vida quotidiana concebida como micro-história, sempre estiveram fora do seu Berardinellihorizonte. A única excepção foi o mais anómalo, mas talvez o melhor dos seus livros, O Dia de Um Escrutinador, publicado em 1963, quando tinha quarenta anos e o compromisso realista ainda podia ser uma forte tentação moral em Itália. A década das novas lutas operárias, da Nuova Destra e do Maio de 1968 tinha acabado de começar. No entanto, a libertação do tédio ideológico e dos deveres verdadeiros e falsos da política ainda não estava na ordem do dia. Se desconfiava do realismo literário, Calvino também evitava o espírito das vanguardas, cuja literatura tinha o objectivo de ser inacessível à maioria dos leitores. O Grupo 63 tinha escolhido uma literatura de vanguarda para professores de Literatura. Calvino, todavia, queria ser um escritor para todos, mesmo quando a sua escrita narrativa pressupunha uma teoria narratológica do mito e da fábula.

A narratologia que atraía Calvino era aquela que privilegiava o conto e as formas breves, não o romance, que, de Balzac e Dostoievski até Svevo, Proust, Mann e Musil, precisava de muito material. Calvino trabalhou mais no sentido de reduzir o material narrativo. As suas personagens são figuras longínquas, perfis bidimensionais dinâmicos e monótonos que conferem movimento à narração.

Tal estilização contém, naturalmente, a sua própria «moral da forma». Apesar da aparência de leveza e do sorriso infantil, Calvino é, de facto, um moralista que luta contra aquilo que julga ser o peso e a lentidão da moral. Mantém afastados os medos, as angústias e as dúvidas paralisantes. O seu ideal é a ordem. Mesmo quando se trata de uma ordem complexa que desafia o caos, o seu propósito é a higiene mental.

“Apesar da aparência de leveza e do sorriso infantil, Calvino é, de facto, um moralista que luta contra aquilo que julga ser o peso e a lentidão da moral.”

2.

Toda a narrativa de Calvino pode ser lida como uma estratégia bem organizada e astuta para rejeitar o romance, um género literário que Calvino considerava constrangedor e demasiado exigente.

Na nota de 1960 que acompanha o volume da trilogia Os Nossos Antepassados, a confissão é a seguinte: «Não me interessam a psicologia, a interioridade, os interiores, a família, os costumes, a sociedade.»

Para Calvino, 1945 foi um ano zero, uma espécie de fim da História ambientada nos cenários cruéis e dinâmicos da guerra civil. Uma guerra de jovens e muito jovens, uma epopeia das origens, uma fábula da descoberta do mundo através dos olhos de um rapaz, enquanto o corpo está em movimento, ao ar livre, e quando a velha sociedade já não existe e uma nova sociedade ainda não existe. Portanto, a única solidariedade comunitária é a de um grupo de jovens combatentes. Para Calvino, 1945 não assinala apenas o fim da primeira metade do século XX, como também o de tudo aquilo que ainda ligava o século XX ao século XIX, o século do romance. Nessa fábula do mundo que recomeça, a única «moral da história» é a de que a vida vence ao rejeitar o medo da vida, o riso vence sobre o choro, o movimento vence sobre a inércia dos hábitos.

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