Portfolio
Magali Reus: Até aqui tudo bem
Andrew Durbin

Magali Reus é uma conhecida artista contemporânea nomeada em 2018 para o prestigiado Hepworth Prize e com exposições realizadas em importantes galerias e museus. Nascida na Holanda, vive e trabalha em Londres. Neste portfólio, concebido e realizado intencionalmente para esta edição de Electra, a artista apresenta pela primeira vez o seu trabalho fotográfico. As imagens aqui reveladas são acompanhadas de um ensaio escrito propositadamente para a nossa revista pelo novelista, poeta e curador americano Andrew Durbin, editor na Frieze Magazine. Nele, fala-se da obra da escultora e deste Portfólio. Diz Durbin: «Sempre vi o trabalho de Reus como uma arte dos objectos possíveis e impossíveis para lugares e pessoas possíveis e impossíveis.» E afirma que o portfólio é um convite «não apenas para sentir mais, mas para olhar mais de perto».

Magali Reus é conhecida sobretudo pelas suas esculturas alomórficas. Um trabalho representativo, Dearest (Alibi), 2018 — apresentado pela primeira vez na recente exposição do Hepworth Prize, para o qual a artista foi nomeada —, consubstancia a sua abordagem combinatória à produção de objectos. Um conjunto de suportes e braçadeiras de aço apoia-se na parede da galeria; várias armações estendem-se para fora, na direcção do espaço da galeria, uma segura um chapéu de cowboy, outra uma secção de um recipiente de óleo, finalmente, um terceiro objecto de forma triangular assemelha-se a um triângulo de sinalização. Partes da escultura, assim como a série a que pertence, são reconhecíveis como coisas do mundo, outras nem por isso. Será aquilo um selim de bicicleta? Uma bota? Tal como acontece em muitos dos seus trabalhos, Dearest (Alibi) apresenta um sistema visual que desconstrói objectos e imagens num détournement pós-fordista dos sistemas fabris.

Nascida em Haia, nos Países Baixos em 1981, Reus vive e trabalha em Londres há quase duas décadas. Os seus primeiros trabalhos estabeleceram uma prática de pequenas incisões e desconstruções, muitas vezes de objectos e sistemas de objectos simples. Uma exposição na galeria londrina The Approach em 2014, In Lukes and Dregs, incluía várias estruturas — grandes e pequenas — semelhantes a frigoríficos (no comunicado de imprensa, a galeria chamava-lhes «arquitectura somítica»), que continham redes, pizza queimada e talheres. Obviamente, nenhum destes objectos era «real», isto é, não eram feitos de massa ou dos seus materiais habituais. Não tinham sido encontrados. Pelo contrário, foram produzidos por outros meios, utilizando aço, borracha e espuma — simulações do mundo familiar e doméstico que inumavam os seus referentes plagiados numa paisagem onírica quase monocromática. Trabalhos posteriores avançariam as finas intervenções de Reus acerca das nossas expectativas sobre o que é (e o que pode fazer) um objecto, sugerindo que, subjacentes a cada objecto, há sempre operações de significado mais complexas do que nos é acessível à primeira vista. Por exemplo, na sua série de 2015, Leaves, cadeados gigantes são retalhados para revelar mecanismos logo abaixo da superfície do objecto.

Cruzei-me com o trabalho de Reus pela primeira vez em 2016, quando a artista me convidou a visitar o seu estúdio na zona leste de Londres para ver as maquetes de uma série de esculturas que evocavam selas para cavalo, que acabariam por ser mostradas no museu Stedelijk de Amesterdão em 2017. Estes trabalhos dispunham tecidos, couro e materiais sintéticos em camadas para formar objectos encantadores que sugeriam em simultâneo cavaleiro e cavalo, mas que, na sua complexidade, não poderiam ser utilizados por nenhum deles. Contribuí para o catálogo da exposição com uma breve história intitulada Discipline Among Horses [Disciplina entre cavalos]. Nesse conto, imaginava as diferentes vozes de cavaleiros hipotéticos que teriam, nalgum futuro incerto ou passado desconhecido, usado estas selas para cavalgar na direcção do sol poente. Uma voz imagina a actriz italiana Monica Vitti montando a sela como se ela fosse parte de uma motorizada Ducati (do filme de 1975, Aqui Começa a Aventura), outra descreve os cavalos invisíveis como «grandes semi-reboques de carne e sangue e osso». Sempre vi o trabalho de Reus como uma arte dos objectos possíveis e impossíveis para lugares e pessoas possíveis e impossíveis, que, na sua prática multitudinária, recorre a uma diversidade de paisagens de sentido e potencialidade que desafia a sua categorização em tipologias.

Especialmente produzido para esta revista, este portfólio é composto por fotografias de flores e de camiões de entrega de flores. É a primeira vez que a artista apresenta o seu trabalho fotográfico. Para acompanhar estas imagens de camiões decorados com decalques de flores, Magali fotografou flores selvagens in situ contra um fundo branco ou contra sinais de trânsito iluminados pelo sol do Verão. São imagens de uma beleza gélida e estranha. Como os camiões, as flores são essencialmente veículos de transporte e produção, a sua aparência estética imaculada dissimula uma função única — a reprodução da espécie, uma e outra vez e tanto e tão longe quanto possível. Os camiões obedecem a uma lógica económica semelhante, ainda que o façam com muito menos floreados; também eles vão tão longe quanto a sua carga os leva. Neste sentido, camiões e flores fazem lembrar muito do trabalho de Reus, que parece sempre fascinado com o potencial de um objecto para imitar outro — e para estender, neste acto de cópia, o âmbito conceptual de algo que, de outro modo, seria simplesmente mundano.

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Andrew Durbin

*Tradução de José Roseira