Metropolitano
Ruben Pater: Design e cidadania
Frederico duarte

Numa conversa com o crítico e curador de design Frederico Duarte, o designer gráfico, investigador e professor holandês Ruben Pater fala dos seus livros e da sua concepção do design como prática de cidadania. Neste «Metropolitano», trata-se da aproximação do design às disciplinas que nos ajudam a compreender melhor o nosso lugar e o nosso papel na cidade (ou na polis).

Ruben Pater (1977) é um designer gráfico holandês. Os seus livros The Politics of Design: A (Not So) Global Manual for Visual Communication (2016) e CAPS LOCK: How Capitalism Took Hold of Graphic Design, and How to Escape from It (2021) são já obras incontornáveis dos estudos de design. Embora o primeiro tenha uma edição brasileira, nenhum foi publicado em Portugal. Nesta entrevista, que teve lugar em Bruxelas durante a primeira edição do Festival da Nova Bauhaus Europeia em Junho de 2022 (na qual Pater foi um dos oradores convidados), falámos sobre o processo de criação dos seus livros. Aliando curiosidade, atitude crítica e sentido de oportunidade, é possível aproximar o design das ciências sociais e do activismo. Mas também gerar discussão e criar um discurso original sobre design e comunicação visual muito além do contexto académico ou da dependência de subsídios. Com os seus livros, mas também com o seu trabalho enquanto designer, investigador, comunicador e professor, Pater pretende acima de tudo afirmar o design como prática de cidadania.

FREDERICO DUARTE  Os teus livros são uma boa primeira abordagem à problematização da profissão e da prática do design. Diria que também fazem parte de uma corrente de livros que se tornaram referências obrigatórias, especialmente para estudantes, como o Design for the Real World, de 1971, do designer Victor Papanek.

RUBEN PATER  Sim, a maioria das pessoas que os compram são estudantes. Não era essa a intenção, mas foi o que descobri.

FD  O que pretendias, então?

RP  Honestamente, não pensei que viesse a escrever livros. Não era algo que ambicionasse. Se os escrevi, foi porque faltava alguma coisa. Pode parecer um pouco auto-indulgente, mas penso que é bom aceitar que fazemos coisas porque gostamos, não é? Ao mesmo tempo em que trabalhava em ateliers comerciais, fazia o mestrado [em design gráfico] do Sandberg Instituut [o programa de estudos pós-graduados da Gerrit Rietveld Academie] em Amesterdão. Foi lá que conheci muitos designers que nunca tinham trabalhado em ateliers e que abordavam tudo do ponto de vista teórico ou artístico. Enquanto eles tinham vindo directamente da licenciatura para o mestrado e organizavam exposições, eu trabalhava como designer. Para os meus colegas de trabalho, eu era demasiado elitista e usava palavras difíceis. Já para as pessoas do Sandberg, eu era demasiado comercial. Movimentava-me constantemente entre esses dois mundos. Foi com a minha namorada da altura, que estava em estudos culturais, que me apercebi que em estudos culturais se aprende realmente o que é o design. A bibliografia do curso explica o que as imagens fazem e como a ideologia influencia o design. Isto, no meu curso, aprende-se fazendo. Essas leituras deveriam ser obrigatórias em todas as escolas de design, o que não acontece. Mas embora estes livros expliquem que todas as imagens são ideológicas ou que toda a comunicação é enviesada, não nos dão muitos exemplos. Pensei, então, que tinha de traduzir isto para quem nunca leu Foucault, ou este ou aquele livro. Esta «tradução», de que eu gosto, representa também um pouco a minha posição intermédia. Comecei a recolher exemplos visuais que reflectissem o que andava a ler de filosofia e estudos culturais, para os poder traduzir sem me estar sempre a referir ou a voltar ao que um velho, branco e europeu escreveu há muito tempo.

FD  Estudaste primeiro design numa escola mais técnica, foi?

RP  Nos Países Baixos é comum estudar-se primeiro numa espécie de escola de artes ou de ciências aplicadas, antes de se entrar na universidade. É por isso muito superficial em termos de teoria. Na minha escola [St. Joost School of Art and Design, em Breda] tinha umas poucas horas de teoria por semana e não precisávamos de ler ou escrever muito. Havia tutores e os exercícios eram muito sólidos a nível conceptual, mas sempre perspectivados em função do cliente. Até o nosso projecto final era um livro ou cartazes para tal ou tal cliente. Isso é muito diferente do que eu, por exemplo, ensino hoje em dia ou do tipo de trabalhos com que os estudantes se formam. Por volta dos anos 2000, comecei imediatamente a trabalhar porque precisava de ganhar dinheiro.

FD  É interessante o que dizes sobre teoria, pois eu penso que os teus livros tornam a teoria tangível.

RP  Talvez. Quando trabalhava para ateliers, aparecia-me sempre o mesmo tipo de clientes: as pessoas vinham até nós do sector imobiliário, ou do governo, procurando marcas para projectos empresariais sempre a partir das mesmas posições. E foi aí que pensei: porque é que nunca nos abordam com questões sobre as alterações climáticas ou a desigualdade? Porque ninguém quer pagar por isso. Depois apercebes-te de que as coisas que vemos à nossa volta são moldadas por quem tem dinheiro. A relação entre design e ideologia tornou-se desde então muito clara para mim. Não estou necessariamente a criticar, só a constatar. Isso frustrou-me enquanto designer. Quando criei o meu site, decidi mostrar o antes e o depois de cada projecto. Não dizer apenas «aqui está a imagem», mas dizer como foi feita, quais os erros cometidos e qual o resultado. E também falo sobre isso honestamente. Queria abordar o processo, o fracasso, não ver o design gráfico como uma espécie de caixa negra que se abre e de onde sai um cartaz fantástico que ganha um prémio. Não se fala das propostas que correram mal e isso não é necessariamente culpa de ninguém. Tem que ver com a forma como os designers apresentam a história, que precisa de ser convincente, imaculada e fantástica.

"Quando criei o meu site, decidi mostrar o antes e o depois de cada projecto. Não dizer apenas aqui está a imagem, mas dizer como foi feita, quais os erros cometidos e qual o resultado."

ruben pater

Ruben Pater
The Politics of Design: A (Not So) Global Design Manual for Visual Communication
Amesterdão: BIS Publishers, 2016

 

tew

Ruben Pater
CAPS LOCK: How Capitalism Took Hold of Graphic Design, and How to Escape from It
Amesterdão: Valiz, 2021

 

FD  Os designers vendem sucesso.

RP  E tens de ganhar aos outros ateliers. Essa é também a lógica do design. Tento abordar este tipo de complexidade e as suas nuances. E com isso vem a teoria que está por trás. O fim dos anos 2000, altura em que comecei a trabalhar no livro, foi também a época em que o design holandês entrou em crise. Era um design sempre muito nacionalista e branco, e as escolas de arte também não eram muito diversificadas. Isso tornou-se um problema para mim, sentia falta de uma espécie de entusiasmo e de um interesse pela diferença, era tudo igual. Foi então que comecei a interessar-me sobre como se faz design em turco, por exemplo. Como funciona com o árabe, que tipo de imagens e de formas de comunicação existem? E porque é que isso não faz parte da conversa? É daí que vem o meu primeiro livro.

FD  Os teus livros fomentam uma espécie de discussão pós-nacional ou transnacional sobre design, ao serem abordados assuntos que atravessam fronteiras. Especialmente desde a publicação do teu primeiro livro, como te tens envolvido nessas discussões, ou que tipo de feedback tens recebido dos leitores?

RP  Descobri que contar histórias é algo que faço bem. Isso vem do ensino, mas também das competências que adquiri com a apresentação de propostas. Os designers são bons nisto: em geral, sabem contar uma história convincente e usar os elementos visuais certos para contá-la. Este é o tipo de coisas que emprego no primeiro livro que escrevi. Ao mesmo tempo, interessei-me por compreender como é que os meus livros são recebidos, uma vez que falo de outras culturas. Isto já é um problema para uma certa perspectiva europeia, sendo eu próprio um homem branco e assim correndo o risco de cair em suposições. Reformularia agora alguns aspectos e houve pessoas envolvidas na teoria decolonial norte-americana que, embora elogiando o meu livro, nunca me convidaram para falar sobre estes temas, pois não convidariam um homem branco para falar sobre inclusividade. Ou seja, o sucesso do meu primeiro livro também me limitou, o que é lógico. Recebo muito mais convites para falar sobre o CAPS LOCK precisamente por essa razão.

[...]