Assunto
O perfume da gloriosa recompensa
Rosie Findlay

A indústria da moda, hoje, é um complexo governado pelas leis da vulgaridade, da futilidade, do desperdício, da aceleração própria à fast fashion: é assim que Rosie Findlay, professora na Universidade de Kent, autora de trabalhos de investigação nesta área, descreve os efeitos desta indústria que difunde por todo o lado a injunção: «Não pense, compre.»

A moda contemporânea é vulgar, em sentido estrito: é comum, está em toda a parte e é para toda a gente. Pode encontrar-se despejada em caixotes no Aldi ou arrumada entre packs-poupança de areia para gatos e águas-de-colónia de marca branca. Está disponível para entrega no dia seguinte pela Amazon, onde podemos escolher entre uma imitação de um blusão de pêlo grosso da Patagonia ou uma série de tops de ginástica, cada qual descrito com a sua versão do poema em prosa mais monótono do mundo, para ser facilmente pesquisável: camisola de ioga de manga cava sem costuras absorvente. A moda observa-nos enquanto percorremos o feed nos nossos telefones, onde os fornecedores discretamente nos recolhem os dados para avaliarem que peça de roupa vamos querer vestir, antes de a desenharem à nossa medida.

Uma pesquisa recente na Amazon Fashion mostrava-nos «Os Preferidos dos Clientes», artigos com classificações de quatro ou mais estrelas e mais de quinhentas avaliações. Os artigos mais comprados na categoria de roupa feminina incluíam leggings pretas, um tipo de body cintado, uma camisola com capuz que é também uma manta e Crocs de duas cores. Na categoria de roupa masculina, os artigos em destaque eram umas cuecas pretas Calvin Klein, também várias Crocs, múltiplas versões de chinelos parecidos com Crocs se os Crocs fossem macios e não tivessem buracos, e uma enorme quantidade de t-shirts pretas. Percorrendo a página, perguntei-me, como o filhote do pássaro perdido em Are You My Mother?: isto é moda?

Já na Shein, a empresa de fast fashion com a fatia de mercado que mais cresce em todo o mundo, encontrei algo em todos os estilos possíveis: um blusão de penas minúsculo com ursinhos de peluche, modelado por uma criança sorridente; vestidos de malha desbotados a partir de uma libra, calças de cabedal de cintura subida feitas de poliuretano, um tote bag com o desenho de um coração suficientemente diferente do logótipo da Comme des Garçons, mas suficientemente semelhante para identificar o estilo irreverente da marca.

"Se a moda é uma resposta estética a um determinado momento, então são as empresas de fast fashion que mais claramente revelam o éthos consumista da nossa era."

albert oehlen

Albert Oehlen, Schuhe, 2008 © Fotografia: Jörg von Bruchhausen

 

A Shein tem fama de ser pouco transparente acerca do seu negócio, mas os jornalistas estimam que a empresa adicione à sua oferta dois a seis mil novos produtos todos os dias, para se juntarem aos outros seiscentos mil artigos à venda com um Desconto Especial de 20%, Pague 2 Leve 1 a -15%. Compre já! Em 2021, uma investigação canadiana a trinta e oito amostras das linhas infantil, pré-mamã e adulta da Shein descobriu que uma em cada cinco peças continha uma concentração de produtos químicos mais alta do que o Canadá considera seguro para o contacto humano. A empresa respondeu retirando de circulação os artigos afectados e comprometendo-se a não contratar determinados fornecedores até que a questão fosse resolvida. Treze meses depois, a Greenpeace Alemanha encontrou produtos químicos perigosos que violavam os regulamentos da União Europeia em 15% das roupas da Shein examinadas. Acabamos por ter de fazer a mesma pergunta que os cortesãos de Isabel I: na moda, qual a quantidade correcta de chumbo?

Para muitas pessoas, é de mau gosto sugerir que as roupas vendidas na Amazon ou na Shein possam ser classificadas como moda. São só tralha, recompensaargumentam, destinada a ir parar a aterros após a sua curta vida de plástico. Produzida em massa, feita sem arte nem cuidado (com as roupas e os trabalhadores) e certamente excluída do ecossistema de estilistas talentosas/os cujo trabalho reflecte o que as roupas podem ser e nos põe a dialogar com a cultura. No entanto, se a moda é uma resposta estética a um determinado momento, provocando a mudança em nome da própria mudança, então são as empresas de fast fashion que mais claramente revelam o éthos consumista da nossa era. Através do prazer, por um lado, e da novidade, por outro, a moda produz desejo sobre coisas banais. Este processo é reproduzido de uma ponta à outra do sistema, em que até as casas do luxo, com mais recursos, prometem que um perfume contém a própria essência da vitalidade criativa do seu fundador há muito falecido. Mas isto é mais claro na fast fashion: o desperdício e a futilidade, a ênfase no agora e não no depois. O prazer que sentimos com a roupa é feito para residir no momento da compra, não na relação que se desenvolve com uma peça ao longo dos anos em que a vestimos e a vivemos.

Numa área cultural como a moda, diferentes actores competem pelo domínio, lutando por objectivos comuns embora guiados pelas preocupações comerciais e artísticas específicas de cada um. Se uma marca procura ser uma influência cultural nomeando um director criativo para revigorar os códigos da casa (traduzindo-se isso em lucro e reconhecimento) ou se procura aumentar a sua quota de mercado vendendo mais unidades (o que também se traduz em lucro e num tipo diferente de reconhecimento), a conclusão é a mesma. Pense-se no inventário das marcas de luxo europeias que não é vendido, destinado à incineradora para não sofrer a indignidade de uma redução de preço. Ou nas incontáveis sapatilhas vendidas por muitas das grandes casas de moda nos últimos anos, reproduzindo-se e desenvolvendo-se em novas direcções a cada estação, para melhor se destacarem no Instagram. A nossa era é aquela em que as roupas são já desenhadas para o ecrã, em que a parte de trás de uma peça é muitas vezes deixada lisa, sem adornos, porque não serve para vender e não é suposto ver-se na fotografia. Já não falamos de roupas para vestir todos os dias, mas para serem usadas brevemente antes de serem descartadas, seja porque deixaram de estar na moda ou porque rapidamente se deterioraram. A moda acelerou a tal ponto que parece ter perdido coerência, como um filme em película danificada passada por um projector, imagens piscando violentamente, capturadas segundos antes de desaparecerem.

"A nossa era é aquela em que as roupas são já desenhadas para o ecrã, em que a parte de trás de uma peça é muitas vezes deixada lisa, sem adornos, porque não serve para vender e não é suposto ver-se na fotografia."

A falta de gosto do complexo global da indústria da moda reside não nas tendências que abraça, mas no éthos que o organiza: o máximo lucro acima dequalquer outra preocupação. A opacidade das cadeias de fornecimento mundial desvincula as marcas de moda e as suas revendedoras das práticas extractivistas e exploradoras da produção de roupa; a imagem glamorosa de trabalhar na indústria da moda encobre a precariedade, a baixa (ou nenhuma) remuneração e a exploração que se verifica em estúdios de moda um pouco por todo o mundo. Num sistema em que a maior preocupação é vender, encontramos roupas desenhadas para aguentar apenas meia-dúzia de lavagens antes de se tornarem inúteis, mas cujos materiais de que são feitas podem levar duzentos anos para se decomporem. Encontramos carteiras produzidas em massa, malfeitas, vendidas por uma pequena fortuna por causa do nome na etiqueta costurada no interior. Inunda-nos um avassalador e incessante fluxo de produtos, todos supostos clássicos instantâneos ou objectos essenciais, produzidos de acordo com estações artificialmente diferenciadas que em nada correspondem aos ritmos das nossas vidas. A mensagem da moda contemporânea é: «Não pense, compre!» Não devemos, ou não podemos, dar-nos ao luxo de pensar, ou nunca mais compraremos uma peça de roupa na vida.

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