Dicionário das Ideias Feitas
Percepção
Bobby Duffy

As percepções que temos das realidades sociais revelam muito aquilo que somos enquanto indivíduos e enquanto sociedade. As pessoas não são meros recipientes vazios à espera de serem abastecidos por factos, assim como o público não é uma folha em branco à espera que alguém escreva nela. Na verdade, a nossa visão da realidade é moldada pela multiplicidade de preconceitos, heurísticas e raciocínios fundamentados que nos habitam e por um sistema político e mediático, incluindo as redes sociais, que os explora.

Um dos nossos preconceitos mais manipulados é o facto de termos uma tendência natural para acolher informação negativa. E isso obedece a um critério evolutivo. As informações negativas são normalmente mais urgentes, chegando mesmo a constituir uma ameaça à nossa vida: era fundamental prestarmos atenção aos nossos companheiros de caverna quando nos avisavam de que havia um tigre-dentes-de-sabre à espreita (e quem os ignorasse deixaria de fazer parte do património genético humano). A selecção natural fez de nós seres instintivamente preocupados.

Os nossos cérebros processam as informações negativas de forma distinta e armazenam-nas com maior acessibilidade, como demonstram as inúmeras experiências que monitorizam a actividade eléctrica no cérebro humano. Reagimos com mais intensidade a imagens negativas, como as de rostos mutilados ou de gatos mortos, e processamo-las de modo variável em diferentes áreas do cérebro.

Por exemplo, o número de mortes por homicídio tem vindo a diminuir significativamente em todo o mundo — mas não é essa a nossa percepção. Quando perguntámos a pessoas de trinta países o que pensavam sobre as taxas de homicídio, apenas 15% responderam acertadamente que estavam a diminuir, e quase metade declarou que estavam a aumentar. De certa forma, isso significa que estamos a expressar as nossas preocupações. Os psicólogos sugerem que, quando nos preocupamos e ficamos a remoer sobre algo, abdicamos de alguns elementos de controlo cognitivo, pelo que a ameaça se torna ainda maior no nosso cérebro.

Também é verdade que temos uma visão distorcida da mudança: somos particularmente susceptíveis à falsa sensação de que tudo está a piorar. É natural que padeçamos daquilo a que os psicólogos sociais chamam «retrospecção cor-de-rosa»: feitasapagamos as coisas más do nosso passado, desde os maus resultados nos testes até às férias que correram menos bem. Os romanos descreviam este fenómeno com a expressão memoria praeteritorum bonorum, que pode ser traduzida como «o passado é sempre bem recordado».

Mais uma vez, isto não constitui um defeito idiota dos nossos cérebros, até porque o facto de não insistirmos nos fracassos ou desafios do passado é benéfico para a nossa saúde mental. Mas tem o lamentável efeito secundário de nos fazer pensar que o presente e o futuro são piores do que as nossas memórias.

[...]