A primeira vez que vi as fotografias de Miriam Cahn foi na sua exposição na galeria Jocelyn Wolff, em 2009. Nessa altura estava ainda a entrar no universo da artista, que mal conhecia, e fiquei surpreendida por descobrir fotografias de uma pintora. Foi apenas mais tarde que comecei a relacioná-las com o seu restante trabalho. Os retratos recordavam-me as pinturas de pequeno formato de Miriam, nas quais surgiam olhares muito intensos, como se estivessem hipnotizados ou a hipnotizar alguém. Ao compilar o inventário da galeria, descobri que os temas dessas fotografias variavam enormemente: retratos–rostos, animais, arquitecturas, estranhas formas retiradas de esculturas ou do trabalho da artista… Os suportes diferiam também: as fotografias antigas reproduzidas em alguns catálogos eram analógicas, enquanto as mais recentes eram impressões a jacto de tinta produzidas no atelier da artista, numa impressora de escritório. Algumas delas figuram no seu trabalho sem qualquer tipo de intervenção, enquanto noutras desenhou directamente com lápis de grafite ou de cor, tornando-se então quase impossível distinguir a imagem original. É a nova textura do papel que interessa a Miriam. Para compreender devidamente essas diferenças, mantive ao longo dos anos um diálogo constante com a artista, que conservou todas as suas máquinas fotográficas, apesar da sua progressiva passagem à obsolescência.
Miriam Cahn começou a utilizar a fotografia analógica no final dos anos 70. Graças a uma máquina Reflex Canon, imortalizou os desenhos «de rua» que realizou em Basileia e no túnel de l’Alma, em Paris. Essas fotografias são, aliás, os únicos vestígios desses desenhos, sendo simultaneamente obra e documento, testemunho e memória, de um gesto e de uma presença no espaço público. De seguida, Cahn começa a fotografar pessoas que encontra, mas muito rapidamente se sente desconfortável com tal abordagem. Trata-se de um gesto demasiado íntimo para a artista, que decide então fotografar «pessoas na televisão». Na sua prática do desenho, Cahn utiliza o título Was Mich Anschaut, ou «o que me olha», exprimindo a intensidade de um olhar que pode, por vezes, ser intrusivo.
A artista começa a trabalhar num atelier na região da Engadina, perto de Saint-Moritz. Estamos então nos anos 90 e Miriam, que normalmente utilizava o preto e branco, vai começar a interessar-se pela cor. As longas caminhadas diárias, acompanhada de uma máquina Rollei, tornam-se uma nova fonte visual, com temas extraídos do quotidiano: um dos seus primeiros espaços de atelier na Engadina, uma cabra, flores, paisagens, e as suas pinturas ou desenhos, integram essa colecção de imagens, que, como uma biblioteca, constitui uma narração elíptica das deslocações da artista. Nunca podemos ter a certeza do local onde essas fotografias foram tiradas, interessando-se o olhar de Cahn tanto pela arquitectura das cidades onde expõe, como pelas personagens históricas ou anónimas. Muitas fotografias foram tiradas em Sarajevo, nos anos 90, durante o período em que a artista aí permaneceu para uma exposição no Obala Center. É também nessa altura que começa a constituir «clusters» — conjuntos mistos —, nos quais inclui as suas fotografias, fazendo-as dialogar com pinturas e desenhos.
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